Safras da Borgonha: Por que o ano do Vinho faz toda a diferença
- Aline Mendonça
- 30 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de mai.
Hoje vamos falar de um tema essencial para quem aprecia os vinhos da Borgonha: as safras. Como mencionei em outras ocasiões, diferentemente de outras regiões vinícolas, na Borgonha não se faz corte de uvas. Aqui, cada garrafa é a expressão pura de um lugar — o terroir — e de um momento específico no tempo: o ano da colheita.
Costumo dizer que, na Borgonha, bebemos a terra. O solo fala mais alto, e o clima se impõe com todas as suas nuances, interferindo diretamente no estilo e na personalidade de cada vinho. É essa pureza que torna a Borgonha tão fascinante — e, ao mesmo tempo, tão desafiadora.
Safras lendárias… e surpresas encantadoras
Sim, há anos que se tornaram lendas: 1999, 2005, 2015, 2020 — apenas para citar alguns. Essas safras geralmente reúnem condições climáticas quase ideais: boa insolação, pouca pressão de doenças, chuvas na medida certa. Mas a verdade é que muitos outros anos, menos badalados pela crítica, guardam verdadeiros tesouros.
O vinho é uma entidade viva. Evolui, surpreende, às vezes engana na juventude e encanta com o tempo. E a Borgonha é mestre em nos presentear com essas reviravoltas.
Gosto de citar dois exemplos muito claros: 2017 e 2021. Safras que, no início, pareciam fechadas, discretas, até tímidas. Mas que hoje se revelam com uma elegância inesperada — vinhos vibrantes, precisos, cheios de finesse.
Não existe uma “melhor safra” — existe a sua safra
Mais do que seguir listas e rankings, o que realmente importa é a sua experiência pessoal com cada vinho. Há quem se apaixone por vinhos mais delicados, florais, sutis. Outros buscam potência, corpo, estrutura. E tudo isso — na Borgonha — é moldado com muita nitidez pela safra.
Um bom indicador já começa na taça: a cor. Safras mais generosas em calor e sol tendem a produzir vinhos com cores mais intensas, taninos mais macios e acidez mais baixa. Já anos mais frescos geram vinhos com acidez mais viva e perfil aromático mais sutil — e essa acidez, vale dizer, é fundamental para a longevidade e complexidade do vinho. É uma aliada, nunca um defeito.
A safra da Borgonha é memória, trabalho e alma
A safra é, em essência, o encontro íntimo entre o solo e o clima de um ano específico. Mas é também o reflexo do trabalho do viticultor, que precisa interpretar esse ano — fácil ou desafiador — e tomar decisões fundamentais no campo e na adega.
Gosto muito de uma frase de Aubert de Villaine, da icônica Domaine de la Romanée-Conti:
"A safra é algo proustiano — uma riqueza infinita, viva e cheia de memórias."
E é exatamente isso. Quando degustamos um vinho da Borgonha, não estamos apenas provando uma bebida. Estamos acessando as memórias daquele ano: o calor ou a chuva no verão, a tensão da colheita, o cuidado quase artesanal em cada cacho.
Uma safra: infinidade de sensações
Mais do que seguir guias ou buscar “a melhor safra”, deixo aqui um convite: degustem, experimentem, formem suas próprias impressões.
Descubram qual safra conversa mais com vocês. Afinal, cada garrafa da Borgonha é uma pequena cápsula do tempo — e cada safra, uma nova história a ser contada.
À très bientôt!

Formada em Degustação pelo Terroir, na Universidade de Dijon. Há 11 anos assessorando brasileiros na Borgonha. Especialista em vinhos da Borgonha e visitas na região.
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